“A ARCA PERDIDA NO ESPAÇO” (“THE STARLOST”) Harlan Hellison (1973/74) CANADA

[“THE STARLOST”] é universalmente conhecida como a pior série de ficção-científica de todos os tempos. E nota-se !

Intitulada em Portugal “A ARCA PERDIDA NO ESPAÇO” , a série [“THE STARLOST”] passou um dia muito discretamente pelos écrans portugueses durante mais ou menos duas semanas seguidas para depois se eclipsar para sempre; ao ponto de terem passado mais de duas décadas até que eu descobrisse o que tinha visto nessa altura.

Foi no Verão de 1985 e era claramente uma daquelas produções que a RTP adquiriu “para encher chouriços” e ocupar tempo morto de emissão quando já abria também nas tardes quentes em que a maioria do público estaria a trabalhar ou na praia.
Durante um par de semanas foram exibidos todos os episódios existentes para esta coisa.

A ARCA PERDIDA NO ESPAÇO 

Foram transmitidos a um ritmo de dois episódios por dia, o que totalizava mais ou menos umas três horas de ficção cientifica a passarem diariamente naquele verão durante a tarde nos dias úteis de cada semana.
E claro que eu devo ter sido o único gajo a ter visto isto, pois o resto dos putos estariam todos na praia. No entanto, a mim não me escapava uma série de FC fosse quando fosse e praias haveriam de haver muitas ainda.
“A ARCA PERDIDA NO ESPAÇO” foi uma daquelas séries que não só nunca mais esqueci e continua até num certo sentido a ser determinante hoje em dia na minha imaginação pois o seu episódio inicial é uma das minhas referências.

Por essa época quando eu tinha mais ou menos 15 anos, devorava tudo o que eram romances de ficção cientifica publicados pela Europa América na sua colecção FC (que ando agora a reler) e consumia tudo o que me pudesse vir parar às mãos da colecção Argonauta da Editora Livros do Brasil.
Foi por esses dias que eu redescobri também um conceito de histórias que logo se tornaram o meu tema favorito dentro da ficção-científica; naves-mundo perdidas no espaço.  Anteriormente só o episódio “Mission of the Darians” na série original de “Espaço 1999” me tinha mostrado algo assim e foi com grande entusiasmo que eu encontrei algo semelhante no episódio piloto de [“THE STARLOST”].
“A ARCA PERDIDA NO ESPAÇO” caiu-me em cima vindo do nada precisamente na melhor das alturas, até porque apareceu na TV precisamente na mesma semana em que eu tinha acabado de ler “Nave Mundo” de Jack Vance e andava a devorar pela primeira vez “RENDEZ-VOUS COM RAMA” de Arthur C.Clarke; ambos títulos da Argonauta.

Por causa disso eu não podia ter adorado mais o primeiro episódio desta série; isto porque é nesse mesmo episódio que os heróis desta aventura descobrem que o mundo onde nasceram afinal não é um planeta mas sim um bioma artificial construído a bordo de uma nave espacial gigante que alberga um sem número de culturas terrestres separadas entre si e sem qualquer conhecimento da existência umas das outras durante séculos.
E não, isto não foi um *Spoiler* porque os imbecis dos produtores desta série inenarrável tiveram a peregrina ideia de começar o episódio piloto da maneira mais estúpida possível, talvez para poupar dinheiro numa introdução.

LOST IN SPACE

Apesar do argumento do primeiro episódio “Voyage of Discovery” continuar a ser realmente muito criativo o facto de estar carregado de mistério ao redor de tudo o que se passa na primeira eventura acabou por se tornar absolutamente ridículo, porque o final desta história já está revelado no próprio genérico de [“THE STARLOST”] que abre todos os episódios, inclusivamente o primeiro !

“Voyage of Discovery” apesar disso é uma boa representação do típico cliché a que este género de aventuras passadas em naves-mundo costumam estar associadas. Não é brilhante mas consta que só não o foi porque os produtores alteraram a história original de Harlan Ellison toda.
De qualquer forma ainda contem aqueles ingredientes que tornam este tipo de histórias sempre tão aperitivas; a cultura perdida, as lendas, a descoberta de que afinal estão todos a bordo de uma nave-mundo etc, etc, etc.
O problema foi o que veio depois.

Primeiro Harlan Ellison não ficou nada satisfeito quando a sua história original foi alterada nas suas costas, apesar de [“THE STARLOST”] ser oficialmente uma criação sua. A tal ponto que este abandonou a série ainda antes do episódio ir para o ar, apesar do seu nome constar no material promocional porque os produtores queriam rentabilizar à conta da sua reputação de escritor de ficção-científica; que nem sendo das melhores era suficientemente reconhecida para merecer a atenção dos media nos States e isso interessava aos produtores Canadianos que essencialmente depois fizeram o que quiseram com [“THE STARLOST”] destruindo-o a níveis inimagináveis hoje em dia.

Harlan Ellison estava ligado a muitos dos mais famosos episódios de Star Trek por exemplo e o seu argumento original para o piloto de [“THE STARLOST”] ganhou inclusivamente um prémio para o melhor argumento na área da ficção-científica nessa altura. O mesmo argumento que os produtores da série alteraram sem o escritor saber tendo filmado uma versão adulterada do mesmo nas suas costas.

Essencialmente [“THE STARLOST”] correu mal logo desde o início. Isto porque foi uma ideia produzida por uns gajos que nem se interessavam por ficção-cientifica sequer, ou percebiam o que quer que fosse sobre o género.
Mas como “2001 Odisseia no Espaço” começava agora a fazer muito guito nas bilheteiras mundiais e Star Trek também tinha entrado em Sindication estando a correr muito bem internacionalmente mesmo depois de ser cancelado, aquela malta achou que a Fc era dinheiro em caixa e portanto começou logo por gastar boa parte do orçamento contratando Keir Dullea para protagonista, aqui em total modo John Holmes com o seu mítico “bigode porno“.

Dullea, saído precisamente de interpretar “Dave Bowman” em “2001” seria o isco perfeito para captar audiências julgavam eles. Depois começaram a construir cenários sem haver histórias escritas, apenas baseados em ideias que estavam no ar mas que acabaram por ser anuladas quando Ellisson abandonou a série e levou tudo o que haveria de bom e imaginativo consigo.
Inclusivamente consta que a produção gastou um monte de massa a construir a ponte de comando da nave-mundo, quando esta nem tem qualquer papel relevante no desenrolar da aventura e seria usada muito poucas vezes.

TÉCNOLOGIA DE PONTA..PÉ

Para piorar as coisas [“THE STARLOST”] foi todo filmado em video-tape e não em película contrariamente ao que acontecia com as séries de tv da altura e é por isso que “A ARCA PERDIDA NO ESPAÇO” tem aquele visual que mais parece ter saído de um mau video de casamento no espaço, pois não havia cinematografia que salvasse a coisa.
Por causa disso, nenhum dos efeitos especiais ópticos resultou como deveria o que foi o descalabro total pois [“THE STARLOST”] tinha sido inclusivamente promovida como a série que ia revolucionar os efeitos especiais dentro da Fc televisiva, prometendo técnicas e visuais inovadores que suplantariam até tudo o que Kubrick tinha feito no cinema. Paleio promocional da treta que lhes rebentou nas mãos logo que o primeiro episódio foi para o ar, pois tudo parecia mais uma espécie de teatro escolar filmado em video-betamax do que a produção profissional e revolucionária que apregoara ser durante meses.

Todas as técnicas de montagem e projecção que supostamente iriam estender os cenários e dar uma escala épica a [“THE STARLOST”] falharam redondamente; ora porque a tecnologia da altura não podia mesmo fazer aquilo que os produtores da série insistiam em fantasiar que podia porque a série deles ia ser a melhor do mundo, ou porque simplesmente nem sequer havia orçamento para filmar de forma convincente “A ARCA PERDIDA” enquanto nave-mundo a viajar pelo espaço; quanto mais para dar vida a tudo o resto que a história parecia vir a pedir se tivesse tido oportunidade de se desenvolver como deveria ter acontecido como se pode ver até pelo design extraordinário do típico robot desta história.

Como se a cinematografia truncada pelo video, os cenários minimalistas que não tinham hipótese de ser expandidos e os efeitos especiais que simplesmente não resultavam não fossem suficientes para lixar o que restava; na falta de boas histórias de FC escritas por verdadeiros profissionais do género ( pois toda a gente fugiu a sete pés da série ) a malta da produção achou que também eram bons a inventar o resto da aventura e como tal, [“THE STARLOST”] é o perfeito exemplo do que acontece à ficção-científica quando esta é produzida e escrita por gente que não percebe nada sobre as regras do género e provavelmente nunca leram um romance de FC na vida.

BEAM ME UP, DAQUI DEPRESSA !

Tirando o primeiro episódio que tem realmente muita atmosfera apesar de ter sido todo estragado pelo genérico da série e talvez o segundo capítulo que ainda tenta continuar o conceito original, tudo o resto é simplesmente de ver para (não) crer !
[“THE STARLOST”] faz o “DrWho” dos anos 70 parecer o filme do Kubrick pois à medida que a série avança não só vai ficando cada vez mais rídicula e infantil como os cenários e os efeitos especiais ; se é que se podem chamar assim, começam a entrar por extremos de má qualidade verdadeiramente inclassificável o que levou ao cancelamento da série apenas com 16 episódios filmados.

Pelo meio ainda tentaram meter suspense com a introdução de um vilão interpretado por Walter (Checov) Koenig de Star Trek que coitado dá o seu melhor para salvar a coisa e esses três episódios quase que resultam mas depois a série volta ao descalabro inicial, pois realmente quando se pensa que para fazer dinheiro com ficção-científica basta meter uns ambientes espaciais pelo meio a coisa dá sempre mau resultado e portanto [“THE STARLOST”] é verdadeiramente digno merecedor da sua má fama como sendo a pior série de ficção-científica de todos os tempos.

E sim, é pior que “GALACTICA 1980” se é que tal lhes parece possível !!!

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CLASSIFICAÇÃO

[“THE STARLOST”] , ou “A ARCA PERDIDA NO ESPAÇO” é sem sombra de dúvida uma das grandes oportunidades perdidas para se fazer uma excelente série de ficção-científica adulta com a qualidade de uma novela literária.
Tudo é tão mau nesta série que seria impossível detalhar exemplo a exemplo e portanto só visto mesmo.
Por outro lado é inegável o seu estatuto de culto que tem vindo a ganhar desde que foi redescoberta em dvd recentemente depois de muitos anos ter sido quase uma lenda, havendo até quem pensasse que a série nunca tinha existido.  Tenho amigos que juravam a pés juntos que eu tinha inventado tudo sobre este título.
Sendo assim, vou dividir esta classificação e duas metades desta vez.

Se olhar para [“THE STARLOST”] apenas pelo seu episódio “VOYAGE OF DISCOVERY” é apesar de tudo uma das minhas histórias favoritas dentro da FC televisiva, isto pela forma como capta muito bem aquele conceito sobre naves-mundo perdidas no espaço.
E portanto se fosse mesmo só para classificar o primeiro episódio, apesar de todas as suas fraquezas, não posso evitar atribuir-lhe:

Quatro Planetas Saturno  

A favor: é uma história passada numa nave-mundo, tem ambiente, é original, está bem construída apesar de simples e tem um bom final.

Contra: os valores de produção são do pior, cenários, fotografia, efeitos, o pior design conceptual de sempre para algo semelhante, o bigode “porno” do Keir Dullea; tudo inacreditavelmente mau e amador como o raio.

AGORA, se vamos falar de [“THE STARLOST”] enquanto série televisiva que se seguiu, onde cada episódio era pior e mais ridículo que o anterior; (topem-me só aquele em que os heróis estão dentro de um computador em cima de uma motherboard gigante) então esta produção merece mesmo o título da pior série de Fc de todos os tempos.
Nesse contexto:

  Um Planeta Saturno  

A favor: não leva zero porque tudo se passa a bordo de uma nave-mundo e não há tema que eu mais goste dentro da ficção-científica do que esse.

Contra: TUDO o resto.

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NOTAS ADICIONAIS

TRAILER