Ikarie Xb 1 (Voyage to the End of the Universe) Jindrich Polák (1963) Checoslováquia

Olá a todos. Bem-vindos ao primeiro post deste blog.
Desculpem o tamanho do texto, mas servirá como introdução e há muito para contar sobre este primeiro filme que vos vou apresentar.
Provavelmente já conhecem o meu outro blog, “Cinema ao Sol Nascente” com sugestões sobre cinema oriental e portanto posso dizer-vos que este novo website vai seguir mais ou menos a mesma lógica, embora desta vez não vá falar de filmes asiáticos mas sim de cinema de Ficção-Científica, Fantasia e Aventura.
Acima de tudo este é um site para recordar velhos títulos que fizeram sonhar gerações desde que o género foi pela primeira vez levado ao grande ecran por Georges Méliès quando realizou o seu pioneiro e imaginativo “Le Voyage dans la Lune” e o melhor de tudo é que alguns dos filmes mais obscuros de que irei falar, estão actualmente livres de direitos e disponíveis livremente na net por se encontrarem já classificados como public domain.

E se pensam que este site vai apenas falar de titulos óbvios dentro da FC clássica ao estilo “A Guerra dos Mundos” ou “A Máquina do Tempo” que toda a gente conhece e já viu pelo menos uma vez, estão muito enganados, pois a minha ideia é também tentar sugerir algumas coisas que se calhar nunca viram pela frente ou nunca ouviram falar.
Portanto, para começar levam logo com um filme Chécoslovaco que é para verem que isto é mesmo a sério.
Bem-vindos a [“Ikarie-XB1“].

Este filme relativamente obscuro, realizado por Jindrish Polák é um dos melhores exemplos da boa ficção-cientifica que já se criava deste lado do oceano no inicio dos anos 60 para surpresa de muita gente que não faz ideia do quanto o cinema da Europa do Leste estava muito á frente do seu tempo não apenas em efeitos especiais, mas principalmente na maneira inteligente como já contava boas histórias dentro do género.
Enquanto nos Estados Unidos, ainda se lutava no grande ecran contra discos voadores, monstros de borracha com zippers e onde inevitávelmente havia sempre uma rapariga que gritava muito, nos países do leste europeu já havia obras como [“Ikarie-XB1“], onde não só as mulheres tinham personagens tão válidos quanto os dos homens como as histórias abordavam temas mais adultos de uma forma que só voltariamos a encontrar muitos anos depois na série televisiva americana Star Trek, especialmente em Star Trek – The Next Generation.

E não estou a mencionar Star Trek por acaso.
Até em ambiente visual, obras como [“Ikarie-XB1“] marcavam a diferença quando comparadas com o que se fazia na américa no mesmo período. A primeira série com o Capitão Kirk e os seus cenários de cartão colorido ainda estava a oito anos de distância e já [“Ikarie-XB1“]. tinha uma estética cenográfica surpreendentemente moderna em alguns dos seus ambientes.
Nomeadamente o estilo de corredores que depois só se tornou habitual no fim dos anos 70, quando o primeiro filme de Star Trek parece ter criado o novo design para os corredores da Enterprise com base naquele existente já no inicio dos anos 60 em [“Ikarie-XB1“] e que depois foi actualizado de uma forma ainda mais semelhante “ao original”, para a nova série de Trek com o capitão Pickard a meio dos anos 80.
Comparem o design de produção em [“Ikarie-XB1“] com um habitual nos filmes americanos de ficção-cientifica da mesma altura e certamente terão a tentação de ir confirmar se ambos terão efectivamente sido feitos nos anos 60.

E as diferenças não se resumem ao design, pois também no que toca á realização [“Ikarie-XB1“], não é propriamente um serial americano ao estilo juvenil que caracterizava a ficção-cientifica da época com titulos como “The Angry Red Planet” por exemplo, mas contém uma realização sólida e com uma identidade moderna, verdadeiramente percursora da mesma abordagem séria e adulta que depois Stanley Kubrik usou na sua obra prima espacial tendo ficado conhecido por revolucionar o género quando “2001-Odisseia no Espaço” estreou em 1969.

De certa forma, [“Ikarie-XB1“],  foi talvez o primeiro filme verdadeiramente moderno de ficção-cientifica e não deixa de ser interessante como esta obra do inicio dos anos 60 é hoje practicamente desconhecida do público moderno em geral que nem sonha que a ficção-cientifica moderna não foi inventada em Hollywood mas sim no coração da Europa para lá da cortina de ferro.
Muitas das sequências visuais em [“Ikarie-XB1“],  não perdem actualmente quando comparadas com o que se faz hoje em dia. Nomeadamente a cena em que dois astronautas exploram uma misteriosa nave abandonada onde o realizador conseguiu criar um ambiente invulgarmente moderno, inclusive na forma como a montagem e a iluminação são exploradas para criar um clima de suspanse muito actual. Mais uma inovação para a época se pensarmos nos filmes de ficção-cientifica que recordamos das produções de Hollywood do final dos anos 50 inicios de 60.

[“Ikarie-XB1“], não contém sargentos do exército americano a comandarem foguetões em estilo militarista e machista, não contém jovens raparigas que apenas vão na nave para gritarem muito quando forem raptadas pelo monstro da fita, não contem monstros de borracha e nem sequer contem vilões de qualquer espécie.
[“Ikarie-XB1“] é ficção-cientifica ao melhor estilo literário e narra a história de uma nave-mundo onde viajam um grande número de pessoas ao melhor estilo Star Trek em busca de novos mundos e novas civilizações.

Pelo caminho, vamos conhecendo cada um dos personagens e acompanhando as suas aventuras e histórias individuais. Dentro do filme, estas estão estruturadas num estilo episódico dividindo a obra em várias partes onde se desenvolve a história de cada capítulo que depois forma um todo e conta a saga da viagem da nave Ikarie-XB1 até ao fim do universo.
Os temas vão desde segmentos de aventura sobre exploração espacial em que cientistas exploram naves perdidas, pequenas histórias de amor que depois tratam o tema da gravidez no espaço, sequências de suspanse psicológico quando uma misteriosa doença contamina os tripulantes da nave e mais um par de aventuras e peripécias que levarão a história até ao seu final.
Ou melhor…
Finais.

Isto porque falar de [“Ikarie-XB1“], é o mesmo que falar de dois filmes diferentes, apesar de apenas um ter sido feito na Checoslovaquia.
Eu explico.
Isto se calhar vai ser outra surpresa para muita gente, mas muitos dos filmes que vocês pensam ser filmes de ficção-cientifica clássica americana associados normalmente aos anos 50 e 60, como por exemplo, “Voyage to the Planet of Pre-Historic Women”, “Planet of Blood” ou “The First Spaceship on Venus”, são na realidade filmes soviéticos dos anos 50 dobrados em americano.
Estes nunca tiveram uma única das suas sequências originais filmadas em Hollywood, todos os bons efeitos especiais foram feitas na europa e os poucos actores verdadeiramente americanos que parecem fazer parte de algumas cenas, ou são os actores soviéticos originais dobrados em inglés, ou então fazem parte de sequências adicionais filmadas muito mais tarde quando os distribuidores americanos, mutilaram, cortaram e remontaram muitas destes filmes europeus de modo a agradar já naquela altura, ao particular gosto do público americano que sempre preferiu as cenas de porrada a uma história inteligente.

E a coisa chegava ao ponto de tentarem fazer tudo para disfarçar a verdadeira origem destes filmes para que parecessem verdadeiros produtos americanos e não obras de qualidade produzidas “pelo inimigo” Russo.
O que não deixa de ser divertido, se pensarmos que em pleno período McArthy anti-comunista de intensa caça-ás-bruxas, muito daquilo que fazia vibrar os adolescentes nos drive-inns eram precisamente filmes Russos disfarçados de cinema americano (embora este seja posterior).
Alguns até carregados de verdadeira propaganda Comunista, embora nem sempre, pois grande parte destas obras europeias quando eram convertidas em produtos americanos ficavam sempre inevitavelmente logo com menos meia hora de história pois tudo o que não fosse cenas de acção raramente era incluído na montagem americana.
Outra característica engraçada nestas “adaptações” era os créditos tentarem americanizar tudo, chegando ás vezes até inventar nomes americanos para os actores e equipa técnica.

No entanto, o grande sucesso deste tipo de produtos junto do público cada vez mais ávido de aventuras no espaço e filmes de efeitos especiais, acabou por pavimentar o caminho para Hollywood começar por si mesma a produzir obras de ficção-científica e sendo assim sem filmes como [“Ikarie-XB1“], nunca teria havido um “Forbidden Planet”, um “2001” e certamente nunca teria existido um “Star Wars“, pois George Lucas inspirou-se no estilo de Space-Opera que via quando era jovem precisamente nos anos 50 para recriar esse estilo e imaginar a sua saga espacial.

Tudo isto, para lhes dizer que [“Ikarie-XB1“], tem duas versões que poderão encontrar na internet.
A versão original com os créditos verdadeiros e a pista de som em Checo. Esta contém toda a história como foi inicialmente pensada e numa edição em puro 16:9 cinemático e tem mais 12 minutos do que a versão americana.
Nesta versão original a história é ligeiramente diferente da que depois foi criada na remontagem americana e essencialmente aborda os detalhes de uma viagem de pura exploração científica sem grandes motivos dramáticos por detrás que não sejam as histórias pessoais de cada personagem.
Poderão encontrar esta versão original com óptima imagem em muitos torrents espalhados pela internet e também o respectivo ficheiro de legendas em inglés além de estar editado em dvd numa muito boa edição com alguns extras interessantes.

A “versão americana”, conhecida nos EUA como [“Voyage to the End of the Universe“], está (muito mal) dobrada em inglés, só existe em 4:3 (por isso podem esquecer os excelentes enquadramentos da realização original) e tanto a qualidade de imagem com a de som são muito fracas mesmo. Curiosamente não a conseguirão encontrar facilmente em torrents.
Eu comprei o meu dvd desta versão numa loja online que vende filmes de public domain dificeis de encontrar.
Esta curta “versão americana”, tem 12 minutos a menos que o original, eliminou o segmento que aborda a gravidez no espaço, tem um ritmo narrativo mais acelerado e a base da história está completamente alterada.
Nesta versão a nave Ikarie-XB1, não é apenas uma nave de exploração normal, mas partiu em busca dum planeta conhecido pelo -planeta verde-  que poderá ser uma nova esperança para a humanidade fora do planeta natal pois este encontra-se cada vez mais debilitado por inúmeros factores ecológicos, naturais e não só.
A versão americana também conta com um final bastante inesperado que apanha o espectador de surpresa ao contrário do final mais sério e filosófico do filme na sua versão original. Este twist final foi inclusivamente conseguido através de imagens que nem sequer pertecem á obra original.

Eu tenho que confessar, apesar de toda a gente ter ficado muito chocada por os americanos terem alterado o sentido da história, realmente gostei muito do final “americano” pois nada no sentido da história fazia esperar aquele desfecho. Pelo menos na minha opinião, até porque nem tem grande lógica, mas não deixa de ser uma tentativa criativa para surpreender o espectador.
No entanto, também gosto muito do final mais cerebral e filosófico do filme verdadeiro, pois chega até a ser algo espiritual e faz lembrar um pouco o estilo de “2001-Odisseia no Espaço”.
Portanto qual das versões comprar, perguntam vocês…bem, eu comprava (ou sacava) as duas, pois são ambos excelentes exemplos de boa ficção cientifica clássica e funcionam na verdade como dois filmes diferentes.

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CLASSIFICAÇÃO:

Em ambos os casos tanto,  [“Ikarie-XB1“], como [“Voyage to the End of the Universe“], são “dois filmes” essenciais e obrigatórios para quem gosta de boa ficção científica.
Ainda mais quando esta obra do inicio dos anos 60 se encontrava tão á frente do seu tempo e é um verdadeiro achado para quem nunca ouviu sequer falar de ficção-científica feita na Checoslováquia.
Cinco saturnos porque é um filme único em todos os sentidos e uma verdadeira obra-prima perdida no espaço.

    

A favor: o design muito á frente do seu tempo, a excelente realização com características inesperadamente modernas, a fotografia que dá vida e credibilidade aos excelentes vastos cenários, não existem personagens principais e todo o filme é um imenso trabalho de actores que nos convencem realmente que estão a viver no espaço, a sequência de exploração da nave perdida tem uma atmosfera fantástica, tanto o final da versão original como o inesperado twist da versão americana são excelentes
Contra: apesar da inovação visual óbviamente ainda se nota em muitas coisas que é um filme antigo, os efeitos especiais são nostálgicamente fracos mas acho que isto nem se pode considerar na realidade um “contra” pois faz parte do charme do próprio filme.

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NOTAS ADICIONAISNa falta de um trailer, podem espreitar uma das sequências do filme. Se gostarem, gostarão do resto.
http://www.youtube.com/watch?v=hyraLxGHgzo

Video



Comprar
Infelizmente, não me parece que consigam encontrar ainda o filme original, http://xploitedcinema.com/catalog/ikarie-xb-1-p-7362.html pois o óptimo dvd que havia parece já não estar disponível em lado nenhum. No entanto se procurarem o torrent na net não terão dificuldade em encontra-lo.
Se no entanto quiserem comprar a versão curta dobrada em inglés, o site Bijouxflix tem ainda cópias para venda. Eu tenho também esta edição e aviso já que técnicamente não é nada de especial.
http://www.bijouflix.com/goods/bijou_store1vcd_V.htm
Seja que versão consigam arranjar o que interessa é que não percam este filme visionário, pois se gostam de boa FC vão gostar disto não importa que cópia vejam.

Outra review (com spoilers)
http://www.dvdtalk.com/dvdsavant/s1867ikar.html

IMDB (cuidado com os spoilers)
http://www.imdb.com/title/tt0122111/usercomments

Nota: Apesar deste filme ter sido filmado a preto-e-branco existe há anos um boato de que haveria algures uma cópia a cores. Ignorem, pois isso não passa de lenda urbana.

Exemplos de cinema FC russo e do leste europeu nos anos 50,60 e 70.
Não vão propriamente poder ler os textos destes sites mas poderão ter uma ideia da estética avançada que os filmes de FC dos países de leste já tinham há muitos anos atrás e vale a pena espreitarem. Reviews de alguns deles futuramente neste blog.
http://www.solaria.hu/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=75
http://www.solaria.hu/modules.php?name=Downloads&d_op=getit&lid=691
http://www.filmfest-braunschweig.de/programme/2005/german/SDS.php

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